sexta-feira, 24 de setembro de 2010

Cinefilia

A construção de fases no ser humano é algo fascinante e intrigante ao mesmo tempo. Se passa uma hora, uma semana ou mesmo anos, e a opinião, antes tão forte e fundamentada, se dissipa magicamente, influenciada pela mudança da visão estética que temos da vida e do cotidiano. Parece insano ou falta de personalidade essa efemeridade de raciocínio, mas o tempo - relativo como é - exerce uma influência
significativa sobre nossos pontos de vista.

Explico. Há mais ou menos dez anos atras, eu assisti com muito desgosto e penar o filme Central do Brasil. Se me permite a linguagem vulgar, relato com sinceridade: achei uma bosta! Fernanda Montenegro, a dama da dramaturgia brasileira, estava apática, sem brilho. O garoto Vinícius de Oliveira parecia só mais um garoto qualquer sem talento, que ensaiava frases prontas e bem decoradas em frente as câmeras. O uso de pessoas 'comuns' como coadjuvantes me decepcionou profundamente pelo retrato triste que fizeram do talento que os brasileiros - julgava eu - não tinham. Fotografia ruim, posicionamento de ângulos ruim, montagem ruim, trilha sonora ruim... definitivamente, dez anos atrás, na inocência dos meus 16 anos, eu julgava o filme uma verdadeira porcaria. Como seria possível bater o belíssimo La Vitta e Bella do Roberto Benigni no Academy Awards? Como diabos essa obra brasileira mal feita ganhou três prêmios no festival de cinema de Berlim?

Na época, eu não tinha respostas. Mas dez anos - e milhares de fases pessoais - se passaram, e com eles, minha visão de mundo, cinema, atuação, blá blá blá... então, por um acaso do destino, voltou a mim o mesmo Central do Brasil, a mesma Fernanda Montenegro, o mesmo Vinícius de Oliveira, o mesmo Walter Salles, tudo igual. E conforme as cenas foram passando, minhas pupilas se dilataram e as lágrimas começaram a escorrer. A Fernanda de outrora, apática, surgiu esplendorosamente megera e fria, com falas perfeitamente casuais e momentos de brilho sem igual. O tal Vinícius, que parecia só mais um gabiruzinho, era O gabiru, com sotaque de gabiru e o temperamento rebelde de um garoto de 9 anos que não tem o pai e perde a mãe. Fotografia vintage que nos locomove a um Brasil de provavelmente final dos anos 80. Ângulos muito bem calculados para encontrar a luz perfeita que mostrasse o cotidiano do brasileiro em seus extremos mais opostos dentro da linha da pobreza. O Brasil que precisava ser mostrado, do jeito que precisava ser visto pelo mundo. E foi visto. E foi aplaudido. E foi marcante.

Eu penso que nessa relatividade de tempo, muda sim o que gostamos de ver, mas muda ainda mais o que gostamos de mostrar. Creio que anos atrás, meu egoísmo e vergonha adolescente só queria esconder essas realidades para que eu pudesse dizer que tinha orgulho de ser brasileiro. Hoje eu vejo que, ao mostrar essas realidades, abrimos portas pra solidariedade do próximo, e expomos da nossa janela que, mesmo vivendo em pontos de miséria, o brasileiro tem força pra lutar, pra seguir em frente, mas acima de tudo, para sorrir! Não mais julgo um filme ou livro ou disco pelo meu estado de espírito efêmero... agora eu sei que qualquer dia eu posso ser tocado pela realidade e deslumbrado pela beleza das coisas mais simples da vida.

Um comentário:

Dani Keller disse...

Adoro o jeito que tu escreve.
Te admiro.
bjs
Dani